segunda-feira, 6 de abril de 2015

vem e vai e volta


Eu já tive cálculo renal. Pedra nos rins, para ficar mais fácil.
Foi simples: era domingo, e eu, domingando como sempre, acordei e a dor lancinante não me deixou mais dormir por uns cinco dias. Quiseram me cortar achando que se tratava de apendicite. Eu cheguei a me entregar pensando que havia um motivo para a intensidade daquela dor. Não me vejam como dramática. Não sabiam o que eu tinha e nenhum remédio amenizava a minha dor por mais de uma hora - era a hora em que eu esperava que não voltasse a agonizar. Mas então ela voltava e eu não tinha mais posição para ficar. Veio a internação, dias com remédio na veia, enfermeiras medindo a temperatura regularmente e exames indicando que uma minúscula cristalização de oxalato de cálcio estava entupindo meu ureter direito. 
O ponto que quero chegar é que, quatro meses depois, eu não me lembro da tal dor que me deixou hospitalizada e entregue. Posso recordar-me que era bem forte, do quanto eu me senti mal, mas por mais que eu aperte o rim ou o que quer que seja na parte inferior direita da barriga, não chega nem perto do que senti. E quantas vezes isso acontece na nossa vida. Quantas vezes estamos apenas nos baseando em uma memória falha que vai se embaçando ao passar do tempo e mostrando apenas tentativas de sentimentos, que na verdade estão muito longe de ser como os reais. E nós acreditamos nessas ilusões. Nos prendemos à elas com braços e pernas e o resto do corpo. Quanto maior a superfície de contato mais verdadeiras as lembranças nos parecerão.
As ilusões da dor. 
Uma dor teatral, que saiu de cena, mas deixou o espectador com a emoção impregnada no peito. A dor que não é capturada num sorriso dado para uma foto.
A dor ilusionista. Essa que faz a gente ficar triste por se apegar às coisas boas que vieram antes dela, mas que acabaram. Ela entra no lugar do que um dia foi luz, e vira escuridão. Faz a gente acreditar que só vai existir a dor. Ela não deixa a gente ver que embora os caminhos tenham mudado, a ordem vai se restaurar. Essa transição não deve ser uma coisa má. 
Mas um dia você se levanta e não sente mais a dor, e é como se tudo tivesse sido um sonho ruim. Você se dá conta de que os momentos em que ela esteve presente se foram, e tudo o que ficou foi a marquinha na mente que vai te alertar sobre ela. Tudo vai ser um aprendizado e você vai saber se prevenir da próxima vez.
Você não deve deixar a dor entrar ali de novo. A luz está de volta.  
Eu expeli a minha dor e agora bebo, em média, dois litros de água por dia.