terça-feira, 24 de março de 2015

Volte sempre


Foi fácil saber que você estava chegando.
Soube assim que decidi acordar. Sim, eu acordei quando quis, e não quando os cachorros determinaram que já era hora de começar a latir freneticamente para o sol saindo por detrás do horizonte.
Levantei-me calmamente e olhei-me no espelho. As olheiras com as quais eu fui dormir na noite anterior haviam desaparecido milagrosamente.
Abri as janelas e vi que a temperatura estava ideal para que eu pudesse usar minhas botas favoritas.
Dei bom dia para o céu e fui tomar um banho. Preciso dizer que não tive que, pacientemente, esperar até que o chuveiro resolvesse me presentear com água quente: ela já estava me esperando assim que girei a torneira.
O vidro de suco de abacaxi ainda tinha a medida exata de um copo quando eu já estava resignada a preparar alguma outra coisa para beber e me atrasar novamente para sair de casa.
Já caminhando, a brisa tocou levemente meu rosto e eu senti cheiro de tulipas. Lembrei-me de quando eu era criança e o vento bagunçava meu cabelo quando a aventura de subir bem alto com o balanço parecia jogar meu estômago nas nuvens.
Como sempre faço em momentos de folga da minha mente, comecei a imaginar tudo o que ainda iria acontecer ou não no futuro. Essa minha paranoia teve que esperar, porque hoje, nesse momento, escutei ao longe tocar a música da minha vida. Passei o resto do caminho cantarolando baixinho, imaginando que todas as pessoas a minha volta ficariam mais felizes se cantassem o que as fizesse bem.
Passei o dia todo com o coração feliz. Eu disse que comi mousse de maracujá na sobremesa? Sim, seu doce que acabou por se tornar o meu.
Indo embora, passei na livraria e o livro que eu tinha encomendando finalmente chegara. Já podia ver as várias marcações que faria nos melhores trechos.
Entrei em casa e senti cheiro de você.

Foi muito fácil saber que você estava chegando. 

sexta-feira, 20 de março de 2015

o que o tempo não levou


Hoje o dia está escuro. A escuridão, a falta de luz. 
Hoje me lembrei de você, e de como também haviam dias assim para nós.
Revivi na memória momentos em que te vi sorrindo e seus olhos se comprimiram, os cílios enormes formando um desenho engraçado. Ali, eu estava em paz. 
Quis contar que escrevi à você há muito tempo, e então as palavras do coração passaram a me soar banais. Foi quando decidi parar de tentar te trazer de volta. 
Pressenti a dor, a solidão, mas não pude deixar de surpreender-me com o fio se rompendo assim tão abruptamente. O fio que parecia tão resistente naquele abraço de dia preguiçoso, onde eu podia sentir sua respiração ofegante de quem está com medo da vida.
Olhei pela janela e vi o dia querer sorrir. 
Eu tinha que parar com essa mania de oscilar entre o passado e o presente, e ainda querer controlar o futuro.
Eu tinha que enxergar as nuvens se abrindo e um filete dourado se espremendo para iluminar o céu. 
Eu tinha que querer ser como o filete dourado e entender que as coisas podem mudar, eu aceitando ou não. O que não quer dizer que se entregar ao agora deve fazer com que o futuro seja ignorado.
Mas toda a nossa falta de planos acabou por moldar o fim.
O fio se rompe.
E não sobra mais nada.