quarta-feira, 18 de junho de 2014

Despertador das fases



A cozinha sempre impecavelmente arrumada, seguindo ordens daquela que não se ousaria desobedecer, nunca lhe parecera um bom lugar para se sentar e pensar na vida. Mas, naquela tarde, as frutas de porcelana, coloridas e artificialmente suculentas, num bonito anteparo de vidro a fizeram querer parar e admirar. O arranjo de flores ao lado da pia,  no balcão de mármore, exalava um perfume específico delas e dava ao lugar um charme e beleza todo especial.
Pequenos objetos cheios de detalhes colocados e espalhados harmoniosamente no ambiente, caracterizavam seus jeitos e mostravam que aquele era um lar.
Sentiu-se, então, arrependida por não ter tido a sensibilidade necessária para apreciar o que tinha diante de seus olhos. O clichê de "só se dá valor quando se perde" não se encaixava ali, pois não era questão de desvalorização, e sim do quão comum é as coisas mais simples da vida passarem despercebidas.
Seu relógio andava mais depressa, as folhas do calendário tinham que ser arrancadas num ritmo muito mais acelerado do que ela se lembrava ou gostaria. O tempo, que antes a fazia ficar ansiosa para que passasse logo e levasse consigo os dias que faltavam para que seu aniversário - e, consequentemente, a festa, os sorrisos, abraços e presentes - chegasse, agora lhe parecia castigar como uma chuva torrencial de dezembro, obrigando-a a crescer.
Seus momentos ali tinham hora marcada para se transformarem de permanentes para visitas esporádicas.
Enquanto pensava, aqueles três pequenos seres que chamavam de cachorros começavam a latir e dar-lhe mais um motivo para sentir saudade quando já não tivesse tudo isso ao alcance das mãos.
Como que um despertador, uma gota d'água rebelde caiu do chuveiro e a fez voltar à realidade e a tudo o que tinha. Mas era preciso abrir mão de algumas coisas para encontrar-se com outras. Para abrir as portas do futuro era preciso passar pelos batentes das do passado.
De certa forma, ansiava por isso. Queria experimentar tudo o que o passo seguinte lhe causaria.
Quando avisavam que a vida não era fácil, esqueciam-se de dizer que ela fazia doer o coração simplesmente por ter que seguir em frente.
Talvez ela comprasse frutas de porcelana iguais a essas que agora estão na sua frente. Apenas para estar mais próxima de tudo do que, inevitavelmente, sentirá falta.

7 comentários:

  1. Isabela Poeta me fazendo viver nostalgia antecipada com esse texto. Ainda assim, ficou lindo.

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    1. Ainda bem que não estou sozinha nessa, parceira de trix! Obrigada <3

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  2. É como se eu tivesse lendo um daqueles livros inspiradores que nos causa nostalgia. Amei! Parabéns!

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    1. Você não faz ideia de como é bom ler comentários como o seu, Bia. Muito obrigada! <3

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  3. valorize cada momento de sua vida, principalmente com sua família. Tudo passa.... Tudo acaba... E quando isso acontecer que fique somente a saudade e nunca o remorso.

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    1. valorize cada momento de sua vida, principalmente com sua família. Tudo passa.... Tudo acaba... E quando isso acontecer que fique somente a saudade e nunca o remorso. Rosilia

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    2. Que Deus te ouça, mamãe. É tudo que eu quero. <3

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